Após o assassinato por decapitação do adolescente evangélico Diego Souza dos Santos, 16 anos, no bairro de Rio Sena, no Subúrbio Ferroviário, o Comando Vermelho (CV) fez mais uma vítima 15 dias após o primeiro crime, aumentando ainda mais o clima de terror entre os moradores. Na tarde de domingo (09), Fabrício Cleison Valentin Amorim, 24 anos, foi baleado na porta de casa, na localidade conhecida como Sapinho. Ele foi socorrido, mas não resistiu.
De acordo com os moradores, que preferiram manter sias identidades em sigilo por temer represálias, Fabrício estava jurado de morte por traição à facção criminosa. Ele chegou a fazer parte do CV, mas acabou debandando para o Bonde do Maluco (BDM), grupo que detém maior quantidade de área em Rio Sena. “Tentaram pegar ele várias vezes e não conseguiram. A maioria que fez isso [mudar de facção] já morreu”, contou.
Fabrício estava com um outro rapaz em frente à sua porta, na Rua 15 de Novembro, quando foi surpreendido por volta das 14h. “O pessoal conta que dois homens numa moto pararam perto e começaram a atirar”, relatou. O rapaz chegou a ser levado por vizinhos para o Hospital do Subúrbio, mas já chegou sem vida à emergência da unidade de saúde. O rapaz que estava na companha da vítima também teria sido baleado, mas não há detalhes sobre a situação dele.
“Não sabemos mais o que fazer. Eu e outros moradores pensamos em vender as nossas casas, mas ninguém quer viver nesse inferno que isso aqui se tornou. O tráfico sempre existiu, mas não havia essa guerra que é hoje. Antes era um grupo só. Agora é um querendo tomar o espaço do outro. São tiroteios constantes, assassinatos com frequência. Nós estamos presos dentro de nossas casas. Meninos que eu vi crescer hoje sobem e descem armados, intimidando a gente, dizendo que vão matar quem for ‘x-9’, quem estiver passando informações para os rivais e a polícia”, desabafou um morador antigo do bairro, que vive há mais de dois anos uma guerra por poder entre o CV e o BDM.
A reportagem procurou a Polícia Civil para saber o andamento da investigação sobre a morte de Fabrício Valentin, mas até a publicação desta reportagem, a corporação não havia retornado com uma resposta.
Alvo
Outros moradores disseram que quando Diego foi brutalmente assassinado, em 24 de setembro, o alvo da barbárie era na verdade Fabrício, que já havia mudado de lado desde o ano passado. Foi quando ele passou a circular pela Rua Maria Cecília, local dominado pelo BDM, e passou a frequentar a casa de Diego por um bom tempo. “Ele (Fabrício) começou a namorar uma irmã de Diego, mas a relação não durou muito tempo. Os caras estavam monitorando tudo”, contou um dos residentes no bairro.
Os moradores relataram que Diego havia saído de casa para fazer um biscate [prestar pequenos serviços na vizinhança], no dia anterior à sua morte. Ele foi retirar entulhos de uma farmácia em obras. Depois de receber o pagamento pelo serviço, o adolescente chegou a entrar em uma barbearia para cuidar do cabelo, mas o estabelecimento estava cheio. Quando saiu, foi abordado por um jovem que o conduziu à Rua do Lírio, território do CV.
No trajeto, outros rapazes se aproximaram, formando um grupo de cinco pessoas, dos quais quatro teriam ligação com o CV. “Eles [assassinos] já estavam atrás de Fabrício desde cedo e não encontraram. Mas aí sabiam da relação dele com o menino (Diego), que não entrava em nada, a não ser ter sido cunhado do alvo deles e aí fizeram aquela atrocidade”, declarou uma moradora. Todas as pessoas procuradas pela reportagem relataram que o adolescente não tinha envolvimento com a criminalidade, era evangélico, estudante e nos momentos de folga, fazia biscates.
A cabeça de Diego foi deixada dentro de uma caixa, ao lado de um poste de iluminação pública, na Rua Maria Cecília. Já o tronco, com um corte que ia da cintura ao peito, foi largado no fundo do posto de saúde de Ilha Amarela. Sobre a morte do adolescente, a PC informou que já tem indicativo de autoria e motivação. A reportagem perguntou se realmente Fabrício era o alvo dos traficantes e não Diego, mas até agora não recebeu resposta da polícia.
Primos
Diego não foi o único de sua família a ser morto. Antes dele, dois primos, filhos do irmão do pai dele, foram baleados em situações distintas. No dia 4 de agosto desse ano, Alex Bispo dos Santos, 25, dormia na casa de uma ex-namorada quando invadiriam o imóvel, na Rua Ambrosina Arruda.
“Ele tinha acabado de voltar de um show. Como estava tarde, ele dormiu na casa da ex, que era mais próximo. Na madrugada, derrubaram a porta, entraram no quarto, mandaram a mulher sair e atiraram”, contou um morador.
Segundo ele, a execução foi realizada por integrantes do CV. Inclusive, um vídeo do ato foi compartilhado em grupos de aplicativo de mensagem. Porém, Alex não teria sido vítima da guerra entre as facções. O motivo seria o envolvimento dele com a mulher de um dos integrantes do CV. “Por isso que a morte dele foi filmada para servir de exemplo”, contou a fonte.
No dia 1º de dezembro do ano passado, Adriano Bispo dos Santos, 21, foi morto pela Polícia Militar, durante um suposto confronto na localidade do Cruzeiro. “Esse era o único da família que andava com turma errada”, contou um outro morador. A comunidade disse que não houve confronto, como a polícia informou na ocasião. “Ele passava na hora, quando os PM’s pegaram ele e fizeram [mataram o rapaz]. Ele não reagiu, todo mundo viu”, relatou o morador. sem dar mais detalhes.
A reportagem perguntou ainda à PC sobre a investigação das mortes de Adriano e Alex, mas até agora não houve nenhum posicionamento.
Correio/BA, 10/10/2022