
Farra e desvios com lixo e limpeza urbana no interior baiano têm se tornado cada vez mais comuns. Desta vez, os holofotes estão no atual prefeito de Santo Amaro, Flaviano Bonfim (União Brasil), que entrou na mira do Ministério Público Federal (MPF). Uma ação judicial, a qual a BNews Premium teve acesso, aponta a prática de diversos atos ilegais e de improbidade administrativa pelo gestor e outros envolvidos durante um processo de licitação que visava a contratação de empresa para a prestação de serviços de limpeza urbana, conservação do meio ambiente e coleta de resíduos sólidos de saúde.

Segundo o MPF, a prefeitura da cidade, que fica no Recôncavo Baiano, a cerca de 79 km de Salvador, contratou a empresa UNILIMP Construções e Serviços LTDA (UNILIMP Soluções Ambientais), por mais de R$ 8 milhões. No entanto, há suspeita de favorecimento e direcionamento em benefício da empresa por conta dela ofertar preço absolutamente acima do valor de mercado.

Diz ainda o MPF que os envolvidos fizeram prorrogações indevidas para incremento de preço e prazo do contrato sem justificativa, aumentando o prejuízo total decorrente dos valores superfaturados e causando um rombo ao Sistema Único de Saúde (SUS) no município. São réus da ação, além do prefeito, o pregoeiro municipal, Josemar Mario Almeida, a UNILIMP e seus sócios, Giovani Oliveira dos Reis e Sarah Nila Freitas Araújo.
Mas qual a relação entre o lixo e o SUS? A BNews Premium detalha agora, passo a passo, o caminho ilícito percorrido pelos envolvidos para lesar os cofres públicos e de que forma a saúde da cidade e os moradores que dela dependem foram as principais vítimas.
Da licitação (Pregão Presencial nº 040/2018) para contratação da empresa
E, logo no início, o primeiro ato que chama a atenção: Em parecer, a Procuradoria Jurídica municipal recomendou a adoção da modalidade concorrência e não de pregão presencial, sob o fundamento de que não seria pacífico que o serviço de limpeza pública possuiria natureza de serviço comum. Ou seja, não era razoável que o serviço se enquadrasse na modalidade de pregão presencial, o que acabou sendo adotado pela gestão municipal.

Mesmo assim, ao receber o processo, o pregoeiro municipal, Josemar Mário de Souza Almeida, também réu da ação, inaugurou e conduziu o processo licitatório na modalidade pregão presencial, com valor estimado em R$ 10,5 milhões, de forma contrária ao orientado pela procuradoria.

Logo após a publicação do edital, empresas interessadas em participar da licitação apresentaram uma série de impugnações questionando diversos pontos do documento que seriam ilegais ou que apresentavam omissões. Todas as impugnações foram julgadas improcedentes pelo pregoeiro.
Diante da situação, apenas três empresas se credenciaram para o processo e apresentaram suas propostas no dia do pregão:
- SP Soluções Ambientais LTDA – R$ 8.278.410,97; e
- HJ Construções e Serviços EIRELI – R$ 8.419.488,85
- UNILIMP Construções e Serviços – R$ 8.738.953,66

Mesmo tendo sido a empresa que apresentou maior valor pelo serviço, a UNILIMP lançou um novo montante, dessa vez dentro do valor estipulado e, após análise e validação da documentação por Josemar Mário, a licitação foi homologada por Flaviano Bonfim, sagrando a UNILIMP vencedora do certame. O contrato de prestação de serviço foi assinado em 9 de agosto de 2018 já no valor de aproximadamente R$ 8,2 milhões.
Apenas cinco meses após a assinatura do contrato, houve um reajuste no pacto, de quase R$ 700 mil, em janeiro de 2019, resultante de um acréscimo de 8,38% no valor global, destinados para as Secretarias de Serviços Públicos, Agricultura, Pesca, Meio
Ambiente e Recursos Hídricos e Saúde.

Em 9 de agosto de 2019, exatamente um ano após a celebração do negócio, foi feito um novo aditivo, prorrogando a relação por mais 12 meses e reajustando o valor do contrato em 16%, o que correspondia a R$ 1,4 milhão a mais.

Fraudes ocorreram na fase interna da licitação, segundo o MPF
O procurador da República que acompanha o caso, Ovídio Augusto Amoedo Machado, afirma que foram inúmeros e graves os vícios ocorridos na fase interna do pregão, que tornaram possível o direcionamento da contratação em favor da UNILIMP por valores bem acima dos valores de mercado, ocasionando lesão ao SUS.
Os artifícios utilizados pelos demandados incluíram: a) previsão de licitação por preço máximo global em vez de preço máximo por item, permitindo a elaboração de orçamento estimativo inflado; b) fixação do valor máximo aceito na licitação com base em cotações prévias superfaturadas e critérios aleatórios; c) restrição à competitividade pelo estabelecimento de lote único com serviços de naturezas variadas”, destaca ele.
O representante do MPF detalha que, ao contrário do que é recomendado pelos órgãos de controle, sobretudo quando tratam de licitações que envolvem o fornecimento de itens/serviços diversos e divisíveis, como no caso de Santo Amaro, o pregoeiro escolheu realizar o pregão pelo menor preço global em lote único, com previsão apenas do limite máximo global das propostas, no valor de R$ 10,5 milhões, sem, contudo, indicar o preço unitário estimado para cada item do lote licitado.
Essa situação foi impugnada por algumas empresas interessadas em participar da licitação. No entanto, as reclamações foram julgadas improcedentes, sob a justificativa do pregoeiro de que cada empresa deveria “mensurar os seus valores unitários x quantidades, visando chegar no valor total do lote”.
O procurador declarou que apenas esse comportamento inicial já viciou todo o processo de licitação.
Tal decisão gerou prejuízos desde a fase de formação de preços e elaboração do orçamento prévio básico, cerceando a competitividade do certame e prejudicando sensivelmente a estimativa de valores a serem aceitos pelo município por ocasião do contrato”, disse.
Na sequência, continua apontando o Ministério Público, que o pregoeiro municipal estimou o valor máximo a ser contratado, de R$ 10,5 milhões, com base em estimativas fornecidas por três secretarias municipais, sem o uso de nenhum critério concreto, o que permitiu a elevação artificial do preço global da licitação.
A UNILIMP, futura vencedora do certame, foi uma das empresas que forneceram cotação prévia para fixação do orçamento básico, em conjunto com a HJ Construções e Serviços e MEP Serviço e Construção. Entretanto, não há no processo informações acerca do procedimento para a obtenção da referida cotação, quantas empresas receberam a solicitação por parte do município, nem quando foi realizado tal pedido.

Analisando dois itens da licitação, no de número “03 – Coleta, transporte e destino final de lixo hospitalar e demais resíduos de saúde”, o preço do quilograma apresentado pela HJ Construções foi de R$ 4,90, enquanto que o preço da UNILIMP chegou ao valor de R$ 41,20. Já noo item “05 – Coleta e transporte com caminhões de carroceria madeira de restos de podas de árvores e outros resíduos vegetais”, o preço do metro cúbico apresentado pela HJ Construções foi de R$ 32,00, enquanto que o da UNILIMP chegou ao valor de R$ 126,95.


Para o MPF, essas incongruências só foram possíveis pelas ilicitudes praticadas na fase preliminar de formação da licitação, que estabeleceu a unificação de serviços
diferentes (coleta de lixo domiciliar e entulho, coleta de lixo hospitalar, coleta manual de difícil acesso, coleta de podas de árvore, varrição de ruas, limpeza de feiras livres, roçagem e capinação, raspagem e remoção de terra, entre outros) em lote único e que não apresentou composição dos preços unitários dos itens licitados de forma individualizada.
Diante da manipulação das cotações, o preço máximo aceito no certame foi calculado com base em estimativas aleatórias e em propostas sem validade real para alcançar o valor de mercado, pois a UNILIMP ofertou preços superfaturados desde a cotação prévia, com o objetivo de gerar um preço médio artificial e acima do valor de mercado e obter margem de lucro exorbitante ao
se sair vencedora do certame”, aponta o Procurador da República.
Contrato foi direcionado para favorecer empresa
O MPF destaca que as ilegalidades praticadas e que permitiram que a UNILIMP manipulasse a formação do preço básico previsto no edital do pregão ficam ainda mais evidentes quando se percebe que houve o direcionamento da licitação em favor da empresa.
O órgão explica que o procedimento adotado propiciou a participação apenas das empresas aptas a oferecer todos 16 itens do lote único, mesmo que extremamente diferentes entre si, uma vez que as propostas seriam analisadas pelo valor global do lote. Isso impediu a participação de licitantes interessados em apenas parcela dos itens, prejudicando a ampla participação dos fornecedores do ramo e, por conseguinte, impossibilitando a obtenção de proposta mais vantajosa para Santo Amaro da Purificação.
Não à toa que o pregoeiro Josemar Mario fez constar na ata do pregão que a empresa Lourival José dos Santos não participou da sessão por não ter CNAE compatível para a coleta de resíduos perigosos da saúde. Isto é, tal empresa poderia participar de outros itens do aludido pregão, no entanto foi desclassificada de todo o certame porque não poderia prestar o serviço de coleta de lixo hospitalar”, diz Ovídio Machado, procurador da República.

Um dos elementos da licitação que chamaram a atenção do MPF para a restrição à competitividade em benefício da UNILIMP foi o que se viu na ata da licitação. Ao todo, 56 empresas acessaram o edital do certame, mas apenas seis agendaram visita técnica. Destas, somente quatro efetivaram a visita e três empresas participaram do pregão, sendo duas delas as mesmas que forneceram cotação prévia.
Verbas públicas desviadas e superfaturamento foram visíveis
Ao final, o município de Santo Amaro contratou o serviço de coleta, transporte e destinação de resíduos de saúde por um valor abusivo, acarretando o desvio de recursos públicos do SUS e favorecimento indevido da empresa UNILIMP no certame.

O preço médio de R$ 7,59 é bem próximo dos valores cotados pelas empresas HJ Construções, que orçou, na fase interna da licitação, o mesmo serviço em
R$ 4,90 o quilo, e MEP Serviço e Construção que orçou este item pelo valor de R$ 8,80 o quilo.
Para o MPF, a UNILIMP inflou o valor médio de mercado estabelecido no orçamento básico de forma proposital, abrindo margem para vencer o certame com proposta superior ao preço justo. Ainda segundo a investigação, o prefeito aumentou o valor por duas vezes por meio de aditivos ilegais.
(…) Os artifícios criados pela administração municipal para cercear gravemente a concorrência e reduzir sensivelmente o número de interessados, (…)constituíram elementos indispensáveis para que a proposta da UNILIMP, com valores acima do preço de mercado, se sagrasse vencedora. Como se não fosse suficiente a contratação com sobrepreço, o então prefeito Flaviano Rohrs da Silva Bonfim ainda majorou duas vezes o valor pago pelo serviço de coleta de lixo hospitalar, por meio de dois aditivos contratuais ilegais, alterando o custo unitário do item 3 para R$ 22,76 por quilograma e incrementando o sobrepreço para 75,5% em relação ao valor de mercado do serviço”, diz o órgão ministerial.
O valor superfaturado e desviado de verbas do SUS, apontado pelo procurador da República, é de R$ 151.693,40. O montante é calculado a partir da diferença entre as quantias efetivamente pagas pelo serviço de coleta de lixo hospitalar e o valor de mercado estimado de forma conservadora pela perícia federal.

Prefeito é acusado de improbidade administrativa
Quanto as condutas que caracterizam improbidade administrativa, o MPF alega que o prefeito de Santo Amaro e o pregoeiro municipal “que tinham o dever de zelar pelo uso racional dos recursos públicos afetos à saúde”, praticaram atos que importam em enriquecimento ilícito, havendo a adesão consciente ao esquema ilícito por parte dos envolvidos.
Os artifícios utilizados para promover o direcionamento e o superfaturamento da contratação realizada (a não fixação de preço máximo por item; o estabelecimento de lote único para serviços distintos; a elaboração de estimativa de contratação de forma viciada e inflada; a evidente restrição à competitividade do certame mediante exigências indevidas; e a contratação dos serviços de lixo hospitalar por valor acima do preço de mercado) demonstram o conluio dos requeridos para lesar o erário e se locupletar ilicitamente de verbas desviadas do SUS, comprovando também o dolo necessário à configuração dos atos de improbidade administrativa objeto desta ação“, diz o MPF.
O órgão individualiza as condutas de improbidade administrativa praticadas por cada um dos réus da ação: Flaviano Bonfim (prefeito), Josemar Mario Almeida (pregoeiro), UNILIMP (empresa vencedora da licitação), Giovani Oliveira dos Reis e Sarah Nila Freitas Araújo (ambos sócios da UNILIMP).

O que pede o MPF
Ao final da petição que inaugura o processo, o Ministério Público Federal pede que a Justiça Federal da Bahia condene os réus ao ressarcimento integral da lesão ao erário demonstrada, no montante histórico de R$ 151.693,40, com juros e correção
monetária devidos desde a data dos fatos.
O órgão pede ainda que todos eles sejam punidos com as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, como multa, perda de bens e valores, perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

O que dizem os citados
Até o momento, apenas Giovani Oliveira dos Reis apresentou defesa no processo. Nela, ele afirma que era ex-sócio cotista da UNILIMP, com participação restrita e
mínima (R$ 9.000,00), sem poderes de gestão, contratação, negociação ou decisão e que não exercia função de Diretor e nem possuía liberalidade para agir em nome da empresa.
Os demais réus ainda não se manifestaram no processo.
A BNews Premium buscou Flaviano Bonfim, Josemar Mario Almeida, a UNILIMP, Giovani Oliveira dos Reis e Sarah Nila Freitas Araújo.
O prefeito disse ainda que confia na sua inocência.
“Por fim, o Prefeito Flaviano Bonfim, confia plenamente em sua inocência, eis que, sempre zelou pela justa conduta, pautando-se na ética, boa-fé e nos princípios que norteiam os processos administrativos”, alegou o prefeito, em nota enviada pela defesa.
A BNews Premium não conseguiu contato com Josemar Mario Almeida, vez que o telefone disponibilizado junto ao MPF apresentou indisponibilidade. O espaço também segue aberto.
Fonte: por Lucas Pacheco/Bnews,
Publicado em 21/12/2025, às 07h00



