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Rússia x EUA: a escalada da guerra na Ucrânia e o risco de um conflito global

A atual guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, ganhou uma nova dimensão global nas últimas semanas e, mais uma vez, se tornou motivo de preocupação para a comunidade internacional.

Na última quinta-feira, 21, a Rússia disparou um míssil balístico de alcance intermediário, – classificado como “experimental” – contra a cidade de Dnipro, na Ucrânia. De acordo com autoridades do país, o projétil não era nuclear e deixou duas pessoas feridas, além de várias construções danificadas. É a primeira vez que esse tipo de armamento é utilizado por tropas russas, que o batizaram de Oreshnik (nome da árvore que produz avelã).

O “teste” acontece dois dias após o conflito completar 1000 dias e quatro depois do governo dos Estados Unidos autorizar a Ucrânia a usar armas americanas de longo alcance em território russo. Por muito tempo, existiu um receio em flexibilizar a utilização dos recursos bélicos estadunidenses – justamente pelo risco da decisão escalar o conflito para além das fronteiras ucranianas.

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, utilizou seus últimos meses de comando executivo para aumentar as apostas sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. No último domingo, 17, o democrata permitiu que armas americanas sejam utilizadas pela Ucrânia no conflito contra a Rússia.

Por meio de um vídeo no Telegram, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky reagiu à notícia.

Os mísseis autorizados são do modelo ATACMS – sigla que significa Army Tactical Missile Systems (Sistemas de Mísseis Táticos do Exército dos EUA). O recurso bélico tem quatro metros de altura e pode atingir alvos de até 300 Km de distância. O armamento já era usado anteriormente, mas apenas para atacar tropas russas dentro do próprio território ucraniano.

Além do aval estadunidense, a Ucrânia recebeu autorização do Reino Unido para empregar mísseis “Storm Shadow” contra a Rússia. Produzidos para destruir alvos grandes e imóveis, as armas chegam a distâncias de 250 Km.

O fator Coreia do Norte

Segundo informações do jornal “The New York Times”, a decisão de Joe Biden relativa aos mísseis partiu de uma denúncia de Kiev sobre a presença de tropas norte-coreanas lutando ao lado das forças russas.

A Coreia do Norte teria mandado 10 mil soldados para a região russa de Kursk, a fim de auxiliar o país de Putin no conflito. A área, que tem sido alvo de ofensivas ucranianas desde agosto deste ano, já conta com a presença de tropas de Kiev ocupando uma parcela do território.

A ação foi encarada de forma negativa pelo governo americano, que garantiu uma resposta incisiva. No dia 13 de novembro, o secretário de Estado, Antony Blinken, manifestou insatisfação com a campanha da Coreia do Norte após uma reunião com o secretário-geral da OTAN.

“Tivemos uma reunião sobre o apoio à Ucrânia e este novo elemento de tropas da Coreia do Norte agora quase literalmente no combate. Isso exige e terá uma resposta firme”, declarou Blinken.

O que pode acontecer

Apesar de não nuclear, o míssil russo, ainda em fase de testes, tem a capacidade de transportar múltiplas ogivas nucleares. A ameaça de um conflito nuclear global tomou, novamente, a atenção dos debates internacionais. Por ter alcance de 5000 Km, o armamento teria como atingir a maior parte da Europa e a costa Oeste dos EUA.

De acordo com Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, o atual conflito segue uma lógica semelhante ao que acontecia na Guerra Fria – com duas potências (Estados Unidos e Rússia) disputando poder majoritariamente fora de seus territórios. Ou seja, os países oferecem patrocínio de forças e estados, deslocamento de tropas e apoio logístico em caráter limitado, mas não entram em confronto direto com o adversário.

O míssil disparado pela Rússia, inclusive, que é conhecido como Veículo de Reentrada Múltipla Independente para Alvo (MIRV), foi desenvolvido durante a época da Guerra Fria. É provável que esta seja a primeira vez que a arma tenha sido usada em “combate”.

Essa característica qualificaria a ação bélica de Vladimir Putin como uma atitude mais estratégica do que militar – com objetivo de “manter a narrativa de que a Rússia pode escalar para uma guerra nuclear, que agrada ao povo russo”, afirma Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Especialistas classificam o ataque como um “recado” ao Ocidente, já que afirma o poder da Rússia de retaliar quaisquer ataques feitos ao seu território, tal como alcançar qualquer uma das potências que der suporte à Ucrânia.

“O que pode acontecer é um recrudescimento das tensões globais, porque cada lado a gente tem apostas importantes em armamentos mais pesados. Então isso pode causar uma corrida armamentista, pelo menos em escala regional, o que pode custar mais vidas e prolongar ainda mais os conflitos ou o território de operações dentro da Ucrânia”, argumenta Consentino.

Segundo Gunther Rudzit, a Rússia tende a usar mais mísseis contra alvos estratégicos, como infraestrutura de energia, comando militar e empresas de equipamentos militares. Por outro lado, visões mais otimistas afirmam que a situação configura um apelo a armas de natureza mais amplas, o que pode acelerar, de alguma forma, a busca de um acordo de paz.

Mudanças com a posse de Trump

Com a recente eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a postura americana em relação à guerra na Ucrânia – e outros conflitos – tende a mudar.

Em diversas ocasiões, Trump criticou a exagerada ajuda econômica e militar do governo Biden à Ucrânia e prometeu que iria acabar com o confronto. Autoridades russas já afirmaram que Vladimir Putin estaria aberto a negociar um cessar-fogo em solo ucraniano com o novo presidente estadunidense – embora rejeite grandes concessões territoriais, além de se opor à adesão de Kiev à Otan.

Paulo Bittencourt, pesquisador de ciência política da USP, também destaca que os interesse internos americanos costumam contar mais nas decisões políticas, citando como exemplo o senador republicano Marco Rubio.

“Marco Rubio, enquanto senador dos EUA, apesar de se dizer um apoiador da Ucrânia, pertence a um grupo de senadores que votou contra o envio de um pacote de ajuda para a Ucrânia, para Israel e para Taiwan – apontando que questões domésticas dos Estados Unidos tinham prioridade e deveriam receber esses investimentos. De acordo com uma parte dos políticos americanos, esses investimentos não deviam ir para guerras no exterior, mas sim para os problemas domésticos dos Estados Unidos.”

 

 

 

 

 

ISTOÉ, 24/11/2024

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