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Como definir o sucesso ou o fracasso da COP30?

Quando os navios desatracarem dos cais de Belém e as canoas voltarem às suas comunidades de origem, uma inevitável pergunta surgirá: a COP30 foi um sucesso ou um fracasso? A questão se repete a cada conferência do clima há quase três décadas, mas raramente a resposta é simples.

A história das conferências ilustra essa complexidade. A COP21, realizada em Paris, em 2015, é considerada um marco de sucesso. O Acordo de Paris estabeleceu o objetivo de limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2°C, preferencialmente a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, e criou um sistema no qual todos os países se comprometeram a reduzir emissões por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

No extremo oposto, a COP15 de Copenhague, em 2009, é citada como fracasso emblemático. A conferência não conseguiu produzir um acordo vinculante para substituir o Protocolo de Kyoto. Na ocasião, um grupo de países, liderado pelos grandes emissores de gases de efeito estufa, apresentou um acordo político (conhecido como Copenhagen Accord), que foi tomado em nota, ou seja, não foi adotado formalmente por consenso de todos os signatários como uma decisão vinculante.

Já a COP26, realizada em Glasgow, em 2021, mostra as nuances dessas avaliações. O Pacto Climático de Glasgow foi o primeiro acordo da ONU a mencionar de forma explícita a redução do carvão. No entanto, a linguagem foi enfraquecida no último momento por pressão da Índia e da China, mudando de “eliminação” para “redução” do carvão.

Essas conferências não são eventos isolados, mas parte de um processo contínuo. Cada uma constrói sobre as anteriores — ou tropeça nos mesmos obstáculos. Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em mudanças climáticas, é direto sobre as prioridades: “para mim, o principal não é o financiamento. O principal é construir um mapa para que a gente saia da dependência de combustíveis fósseis em todos os setores da economia de todos os países. Esta é a parte principal. O resto é perfumaria.”

Para o cientista, sem um roteiro que ponha fim à exploração e ao uso de combustíveis fósseis, qualquer outro avanço — incluindo metas de financiamento — perde o sentido.

As entregas esperadas em Belém

A COP30 não chega vazia de expectativas. A conferência marca o décimo aniversário do Acordo de Paris e a primeira revisão completa de seus mecanismos após a finalização do chamado “livro de regras”, como destaca uma análise de Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), e Cíntya Feitosa, especialista em estratégia internacional do iCS, publicada na revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

Entre as prioridades está a operacionalização do Objetivo Global de Adaptação, com indicadores concretos para medir o progresso na construção de resiliência climática. No financiamento, a expectativa é de pelo menos triplicar o volume de recursos internacionais destinados à adaptação até 2030, o que substituiria a meta de dobrar o valor estabelecida no Pacto de Glasgow.

No campo da mitigação, o desafio é maior. O prazo de fevereiro de 2025 passou sem que as NDCs se alinhassem à meta de 1,5°C. Diante dessa lacuna de ambição, o Instituto Talanoa defende que a conferência deve oferecer “uma resposta resiliente”, reafirmando o compromisso político com as metas de Paris e acelerando a implementação do Balanço Global.

Ainda, a transição energética deve estar no centro dos debates, com avanços esperados no Diálogo dos Emirados Árabes Unidos sobre como monitorar a implementação do primeiro Balanço Global — especialmente no que diz respeito à “transição para longe dos combustíveis fósseis”, linguagem conquistada na COP28. Também é crucial o avanço no Roteiro Baku-Belém sobre financiamento climático. A meta acordada em Baku foi de mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para países em desenvolvimento.

O contexto geopolítico, no entanto, é desafiador. A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris adiciona incerteza ao multilateralismo. Apesar disso, surgem novas dinâmicas de poder. “A grande novidade são os BRICS”, afirma Artaxo. “Nos BRICS, temos 60% do PIB e 60% das emissões. Os BRICS, no seu documento no Rio de Janeiro, deixam claro que vão trabalhar juntos pela redução de emissões.”

O artigo publicado na revista do CEBRI lembra que a COP30 acontece após um ciclo de protagonismo brasileiro: a Presidência da Cúpula da Amazônia em 2023, do G20 em 2024 e dos BRICS em 2025. Essas lideranças trouxeram inovações — como a Task Force para Mobilização Global contra a Mudança Climática no G20 — que podem resultar em abordagens mais pragmáticas em Belém.

Da negociação à implementação

O critério fundamental para avaliar o sucesso de Belém pode estar na capacidade de transição das negociações para a implementação concreta. Como aponta o Instituto Talanoa, a COP30 precisa provar que “o regime climático da ONU é resiliente, capaz de evoluir e continua relevante no contexto econômico e geopolítico atual.”

Isso significa ir além de documentos e criar mecanismos concretos de acompanhamento e responsabilização. Maria Netto e Cíntya Feitosa enfatizam a importância das chamadas Plataformas País, que podem ajudar países em desenvolvimento a vincular seus planos climáticos a estratégias robustas de financiamento, integrando recursos domésticos e internacionais.

A questão das NDCs vinculantes permanece controversa, mas essencial. Atualmente, quando um país não cumpre suas metas, não há consequências. “O Brasil, por exemplo, não cumpriu a sua NDC, que era uma redução de 48% — reduzimos 41%. E nada acontece”, observa Artaxo. “Este sistema tem que mudar.”

O fortalecimento dos mecanismos de transparência será crucial, incluindo a análise dos Relatórios Bienais de Transparência que os países começaram a submeter. No entanto, Artaxo pondera sobre as expectativas: “não vamos mudar a maior indústria do planeta, que é a indústria do petróleo e da geração de energia, da noite para o dia e sem um planejamento estratégico adequado.”

Ainda que Belém não produza um roteiro para eliminar o uso de combustíveis fósseis — algo que levará anos para ser negociado —, a conferência pode estabelecer os processos e a direção necessários. O Instituto Talanoa propõe posicionar a COP30 como uma “história de resiliência”: das pessoas, do propósito e do próprio processo multilateral. Essa estrutura permite avaliar a conferência não apenas pelos acordos textuais, mas pela capacidade de reconectar o regime climático às realidades vividas e provar que o multilateralismo pode se adaptar.

Milhares de atores — governos, empresas, ONGs, cientistas, povos indígenas, jovens ativistas — participam das COPs para debater, negociar e construir coalizões. O progresso raramente é linear, mas é acumulativo. Todavia, Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, chegou a uma conclusão no podcast Las Niñas, do qual é apresentadora: “ter bons resultados em adaptação [climática] não significa que essa COP será um sucesso. (…) Mas eu, pessoalmente, diria que se não tiver esses bons resultados em adaptação, a COP será um fracasso”.

Por mais que seja difícil mensurar sucesso ou fracasso de maneira objetiva, é justo ter a expectativa de que a COP30 traga avanços concretos — e não apenas sinais — de que a humanidade será capaz de construir um futuro habitável no planeta.

 

 

 

 

 

 

ISTOÉ, 10/11/2025

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