É difícil encontrar uma casa que não tenha grades e muros altos na rua Professor Plínio Garcez de Sena, em Mussurunga II, em Salvador. Nesta quarta-feira (19), as imagens de homens e crianças andando armados pela região correram o bairro e deixaram moradores preocupados com a escalada da violência. A Polícia Militar informou que reforçou o policiamento na região.
O aposentado Manoel*, 70 anos, estava sentado com os amigos na porta de um bar quando foi surpreendido por um grupo de homens armados, por volta de 20h, na terça-feira (18). Os bandidos não assaltaram os moradores, mas mandaram que eles entrassem em casa e fechassem o comércio. Em seguida, os criminosos desceram em direção ao Caminho 56, mas retornaram logo depois.
“Eram oito bandidos. O bar foi fechado e a gente voltou para casa. Pouco tempo depois que eles foram embora começaram os tiros, foram vários disparos, mas ninguém ficou ferido. Moro aqui há mais de 30 anos e nunca tinha visto nada parecido. A gente sabe que tem algumas regiões do bairro que são mais perigosas, mas aqui não acontecia esse tipo de situação”, contou.
A audácia dos criminosos que circulavam calmamente com armas em punho também deixou preocupado outro morador. Isaías* estava em casa e foi até o portão depois que notou uma movimentação estanha na rua. Ele ainda conseguiu ver as armas que os bandidos carregavam.
“Todos muitos jovens, um deles aparentava ter uns 10 anos. Isso deixa a gente triste, porque é uma juventude que está sendo perdida. Depois que eles passaram todo mundo começou a se trancar em casa com medo do que poderia acontecer. Aqui sempre foi tranquilo, tanto que começamos a receber ligações de amigos preocupados depois que a imagens começaram a ser compartilhadas”, disse.
A ação dos bandidos foi registrada por câmeras de segurança instaladas por moradores. Nas imagens é possível ver que um dos criminosos é uma criança e que todos estavam armados. Vizinhos começaram a avisar uns aos outros através de mensagem de celular, alertando quem já estava em casa para trancar portas e janelas e quem estava chegando para buscar abrigo o mais rápido possível.
Insegurança
Em um muro que circunda um terreno baldio que fica a cerca de 700 metros de onde os bandidos estavam foram pichadas as iniciais de uma facção criminosa, três letras que impõe silêncio na região. A maioria dos moradores tem medo de falar sobre a violência no bairro. Uma mulher contou que os conflitos acontecem próximo a um campo de futebol, e que mesmo morando distante precisou alterar a rotina.
“A violência é um problema em Mussurunga e na cidade toda. Há muito tempo que a gente não se sente mais seguro de ficar na porta de casa tarde da noite e que evitamos sair para voltar muito tarde, porque a bandidagem está demais. Meu portão fica sempre trancado e dependendo do horário não atendo se algum desconhecido chamar”, contou.
Após o episódio desta terça-feira, equipes da 49ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ São Cristóvão), da Operação Apolo e do Patrulhamento Tático Móvel (Patamo) estiveram no local e foram até uma localidade conhecida como Vila Verde. Moradores contaram que viaturas ficaram de plantão no fim de linha, durante o início da manhã. Em nota, a PM informou que intensificou o policiamento.
“As equipes realizaram o cerco na região com incursões e abordagens, mas os suspeitos não estavam mais no local. Buscas foram feitas a fim de localizá-los, mas ninguém foi preso”, diz a nota.
Apesar de tudo, o bairro seguiu a rotina nesta quarta-feira. O comércio abriu, crianças foram à escola e donas de casa frequentaram feiras e mercados. Outra mulher explicou que a violência está fazendo parte da normalidade.
“A gente se assusta quando vê a imagem de uma criança segurando uma arma de fogo, não tem como ser diferente, mas, infelizmente, a gente vai aceitando essas coisas. Hoje, a violência está em um nível que a gente olha, se assusta e depois segue andando”, disse.
Identificados
Os criminosos que passearam com armas em punho pela rua Professor Plínio Garcez de Sena, em Mussurunga II, já foram identificados pela polícia. O comandante da 49ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ São Cristóvão), major Paulo Cunha, explicou que os tiros ouvidos pelos moradores podem ter sido de confronto do grupo com outros bandidos, ou de demonstração de força para intimidar os inimigos.
“Sabemos qual era o grupo, de onde ele saiu e para onde ele estava indo, e tudo isso está sendo monitorado pela polícia. Podemos garantir a sociedade que a polícia vai estar presente. São grupos que entram em conflito por pontos de venda de drogas. Pedimos que quem tiver informações ajude a polícia através do Disque Denúncia, no 181”, afirmou.
O comandante teve acesso às imagens e acredita que os bandidos usavam pistolas e uma espingarda. Ele lamentou o ocorrido, contou que foi a primeira vez que viu uma criança portando arma na região da 49ª CIPM, e disse que os criminosos têm usado dessa tática para tentar driblar a legislação.
“Essa estratégia tem sido usada pelos criminosos, porque a nossa legislação da criança e do adolescente permite que eles fiquem no máximo dois anos submetidos a uma medida socioeducativa de internação, o que permitiria que em pouco tempo ele estivesse novamente livre, e por isso eles estão cooptando crianças e adolescentes. Conclamamos que a sociedade redobre a atenção com seus filhos e outros entes queridos”, afirmou.
*Usamos nome fictício para preservar a identidade da vítima;
Correio/BA, 19/10/2022