Com uma relação conturbada no campo da esquerda ao longo da última década, incluindo ataques mútuos, PT e PSOL caminham de maneira inédita para se apoiar já no primeiro turno das eleições municipais em pelo menos seis capitais brasileiras. Há também composição em algumas cidades do interior.
Na primeira disputa municipal após a ascensão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ao mesmo tempo em que fortalecem alianças com o PSOL, petistas se distanciam do PC do B, aliado tradicional nos últimos 40 anos.
A despeito da resistência de setores psolistas que enxergam a aproximação com o PT como um passo atrás em relação à independência política construída pelo partido, o PSOL deve apoiar os candidatos petistas Marília Arraes (Recife), Zé Ricardo (Manaus) e Daniel Zen (Rio Branco).
Há ainda a possibilidade de uma composição em Maceió, onde tanto o PSOL quanto o PT podem ocupar a cabeça da chapa majoritária.
Por outro lado, o PT deve apoiar os candidatos do PSOL Edmilson Rodrigues (Belém) e Elson Pereira (Florianópolis). O PSOL ainda tenta puxar os petistas para caminharem juntos com Paulo Lemos, em Macapá. A hipótese é considerada difícil por lideranças do PT.
Em Florianópolis, uma grande frente antibolsonarista foi formada por PT, PDT, PC do B, PSB e Rede para apoio ao candidato do PSOL.
Nas últimas semanas, o PT ensaiou pular fora do barco porque exigiu compor a chapa majoritária. A frente de esquerda lançou a campanha “Fica, PT”, e um acordo deve ser firmado em breve.
Mesmo com chances remotas, o PSOL ainda alimenta esperança de uma aliança em Belo Horizonte em torno da pré-candidata Áurea Carolina. Na capital mineira, o PT lançou a pré-candidatura de Nilmário Miranda.
O Recife foi a primeira capital onde o martelo foi batido oficialmente entre as duas siglas. Depois de grande resistência de um grupo capitaneado pelo ex-deputado federal Paulo Rubem, que havia se lançado como pré-candidato do PSOL, a direção nacional ratificou nesta semana apoio a Marília Arraes (PT), que tem como principal adversário o PSB, do primo João Campos.
Nas últimas quatro disputas no Recife, o PSOL teve candidatura própria em três delas. Em 2012, fez uma aliança para apoiar o nome do PCB.
Paulo Rubem diz que há uma avaliação errada de conjuntura por parte do PSOL ao se aliar ao PT na medida em que as eleições representam a antessala de 2022. “Lula precisa recompor a base do PT. O PSOL vai ficar assistindo e prestar apoio a este movimento ou nasceu para ser uma alternativa de esquerda ao petismo?”, questiona.
Fora das capitais, também existem movimentações importantes. Em Campinas (SP), por exemplo, o PSOL ocupará a vice na chapa encabeçada pelo vereador petista Pedro Tourinho. Em Sorocaba, o mesmo desenho se repete. O PT compõe com o candidato do PSOL, Raul Marcelo.
O PSOL surgiu em 2004 e obteve o registro eleitoral um ano depois, durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A sigla nasce quando uma ala petista classificada como radical, composta por nomes como Heloísa Helena e Luciana Genro, é expulsa do partido por bater de frente com posicionamentos do então governo.
O partido fez oposição a Lula e à sua sucessora, Dilma Rousseff. Em 2016, no entanto, posicionou-se contra o processo de impeachment da ex-presidente e engrossou o coro do PT para denunciar o que classificam de golpe.
Dois anos depois, com a filiação de Guilherme Boulos, que tem bastante proximidade com Lula, para a disputa pela Presidência, houve um distensionamento maior entre os dois partidos.
Ouvido pela reportagem, o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, avalia que, desde 2016, com a retirada da ex-presidente Dilma Rousseff do poder, há um processo de maior diálogo dos partidos de oposição.
“A situação do país é muito grave. Se nós colocarmos nossas diferenças em primeiro plano, estaríamos sendo muito irresponsáveis com o Brasil”, afirma.
Juliano alega que não existe definição do PSOL para que o PT ou qualquer outro partido seja aliado preferencial.
Ele avalia que a movimentação na esquerda com o surgimento de um bloco formado por PDT, PSB, PV e Rede, que se traduz em alianças eleitorais, estimulou um diálogo maior entre PSOL e PT em algumas regiões do país.
“Não diria que estamos vivendo um novo momento no PSOL. Estamos vivendo um novo momento no Brasil”, justifica.
Segundo Medeiros, as alianças são circunstanciais e o projeto estratégico do PSOL continua sendo de uma esquerda radical e anticapitalista. De acordo com ele, que assegura que o partido não abrirá mão de nenhuma bandeira, a conjuntura atual fez com que o diálogo foi necessário.
O vice-presidente do PT, José Guimarães, declara que o PT tem alianças com todos
os partidos do campo progressista.
“Evidente que há um reagrupamento em função da nova conjuntura. É natural. Nossas alianças vão do PDT até o PSOL”, aponta.
O movimento inédito do PSOL coincide com um afastamento entre PT e PC do B. Até o momento, há pouca interseção nas principais cidades brasileiras entre os dois partidos, que se apoiaram mutuamente em 12 capitais em 2016, 7 em 2012 e 13 em 2008.
Faltando um mês para o fim do prazo das convenções partidárias, o PC do B ainda não definiu apoio a um candidato petista em nenhuma capital.
Em contrapartida, o PT só anunciou apoio ao PC do B em Porto Alegre, onde a candidata será a ex-deputada federal Manuela D’Ávila, vice de Fernando Haddad (PT) na disputa presidencial de 2018.
Nas demais capitais, o cenário até o momento é de distanciamento. Na cidade de São Paulo, onde os dois partidos são aliados tradicionais, o PC do B lançou a pré-candidatura do deputado federal Orlando Silva, que deve disputar o mesmo campo com Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (PSOL).
“O PT é parte do passado. E o PSOL é uma espécie de PT retrô, dos anos 1980. Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar a minha condição de negro e debater a representatividade na política”, disse Orlando Silva em entrevista à Folha de S.Paulo.
Em Salvador, os dois partidos devem ficar em palanques diferentes pela primeira vez desde 1988.
O PC do B aposta na candidatura da deputada estadual Olívia Santana, e o PT lançou o nome da Major Denice Santiago, policial militar que ganhou destaque à frente da ronda Maria da Penha.
Vice-líder do PC do B na Câmara, o deputado federal Daniel Almeida (BA) afirma ser natural que a legenda busque um caminho próprio e tenha um maior número de candidaturas majoritárias da eleição deste ano.
“A política brasileira vive um momento de renovação. Quem não se ajustar às mudanças, vai ficar anacrônico”, diz Almeida.
Também pesa para o partido o fim das coligações proporcionais e a necessidade de construir uma base mais robusta nos municípios para superar a cláusula de barreira na eleição de 2022.
Há dois anos, o partido só atingiu o patamar que garante acesso ao fundo partidário e tempo de TV após uma fusão com o antigo PPL.
Fonte: Bahia Notícias, (17/08/2020)