Oito milhões de brasileiros são inférteis, de acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Cerca de 35% dos casos são relacionados à mulher, 35% ao homem, 20% a ambos e 10% permanecem desconhecidos. Dentre as mulheres, 20 a 30% delas não podem gerar filhos, segundo o ginecologista Walter Pace, titular da Academia Mineira de Medicina. Não é à toa que o Hospital da Mulher da Bahia teve, em média, 228 atendimentos por mês na área de reprodução humana, entre janeiro de 2017 e agosto de 2021. As baianas buscam reverter essa condição.
A infertilidade feminina pode ter muitas causas, desde doenças infecciosas até o ovário policístico, passando por problemas hormonais. Porém, a principal doença que impede a gestação é a endometriose – ela afeta até 60% das inférteis. E cerca de 40% a 50% das mulheres com essa condição não conseguem engravidar. Além de interromper o sonho de muitas mulheres de terem um bebê, a endometriose pode levar também ao desenvolvimento de um câncer se não for tratada ou feito o diagnóstico preventivo.
Outro entrave dificultava o sonho de ser mãe: o ovário policístico, que ela tinha desde os 15 anos. “Sempre soube que teria problema para engravidar. Os médicos indicavam fertilização in vitro, mas eu não tinha condições financeiras na época e terminei me separando. Além disso, mesmo com fertilização, descobri que tinha problema nas trompas, o que dificultaria gerar um embrião”, conta.
Cristiane passou alguns anos buscando tratamento. Ela testou vários hormônios e se deu bem com a gestrinona. Após dois anos com os implantes, os tumores foram embora. Como a medicação acelera a menopausa, ela não teve filhos próprios, mas tem quatro de coração. “Ganhei duas, filhas de meu marido, e duas que fizeram intercâmbio aqui em casa, uma alemã e outra tailandesa. Foi a primeira vez que me chamaram de mãe”, conta Cristiane. Ela vai ao casamento da filha, na Alemanha, no próximo ano.
O caso de Cristiane é daqueles raros, tranquiliza o médico ginecologista Ricardo Pereira, diretor do Centro de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva o Hospital Santa Joana, em São Paulo. Isso porque o quadro evoluiu para oncológico e a endometriose ficou em segundo plano. Ele adverte algo em comum entre o episódio dela e o de outras mulheres: a causa desconhecida da doença.
“A endometriose é uma doença enigmática, mal entendida. A ciência ainda não tem a resposta do que causa. O tratamento é muito precário, tratamos somente os sintomas, e dura, em média, dez anos para ter o diagnóstico”, revela Pereira. Ele defende que ela seja levada mais a sério. “As queixas das mulheres não são entendidas. Esses diagnósticos tardios afetam a vida delas no trabalho, na relação, na produtividade. É uma condição extremamente complexa e menosprezada pela saúde pública e culturalmente”, critica.
Um dos sintomas da endometriose, muito comum às mulheres, principalmente no período pré-menstrual, é a cólica. Ricardo Pereira adverte que não é normal sentí-las. “Precisamos ter uma mudança cultural, porque ter cólica não é e não deve ser encarada como algo normal. Ela precisa ser investigada e pode ser um dos sintomas da endometriose”, alerta.
O médico ginecologista Walter Place explica que a endometriose é uma deformação no endométrio, camada interna do útero feminino por onde o embrião se “cola” para ser desenvolvido. Quando a descamação do endométrio – que desce, todos os meses, pela menstruação – vai para um lugar diferente do útero é o que define a doença. Ela é mais comum entre as jovens de 25 a 35 anos.
“O sangue, que deveria descer pelas trompas, volta pelo abdômen, causando o processo inflamatório. Através do sangue, as células do endométrio seguem para a barriga e podem se desenvolver em outros locais que não a cavidade uterina. Existem endometrioses no pulmão, no pericárdio e se comportam como câncer, se a doença não for controlada e tratada”, detalha Pace.
Ovário policístico
Outra causa da infertilidade é o ovário policístico, que a advogada Paula Guerra, 39, tinha. Apesar de causar infertilidade em mulheres, esse não foi o caso dela, que precisou fazer uma longa investigação do porquê não conseguia engravidar do marido. “Fiz vários tratamentos. Eu conseguia ovular com o tratamento, então sabíamos que o problema não era ovário policístico. Também fiz histerossalpingografia para ver se tinha entupimento nas trompas e não era”, explica ela, que tentou tratamentos, como coito programado e inseminação artificial.
“Tive que tomar hormônios e fazer ultrassons diárias, para ver quando o óvulo estava do tamanho ideal. Depois que tomava a injeção de hormônio, tinha que transar coisa de 10 a 12 horas depois, então a gente marcava horários. Isso começou a ser muito desgastante emocionalmente. Era muito sofrimento, uma frustração enorme ver que todo mês não dava certo”, desabafa.
É após os 35 anos que as mulheres apresentam mais dificuldade em ter filhos. Aos 32, as chances são de 80%. Já aos 42 anos, elas diminuem para 5%, segundo o médico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza infertilidade quando o casal tenta engravidar por um ano, sem sucesso. Para cada caso, existe uma maneira diferente de reverter a situação.
40% da infertilidade nos homens vêm da varicocele
Em relação aos homens, a principal causa de infertilidade é a varicocele, que são varizes no saco escrotal. Assim como a endometriose nas mulheres, a causa é desconhecida. “Existem teorias de causa genética ou hormonal, mas a gente não sabe por que surge”, confessa o urologista Augusto Modesto, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Urologia seção Bahia (SBU-BA).
Ele afirma o fator masculino é o mais comum na infertilidade do casal. “A cada dez casais inférteis, quatro são pelo fator masculino. Dentre os fatores, 40% é pela varicocele. Por serem veias dilatadas, elas alteram a temperatura e as condições adequadas para a formação do espermatozoide, seja na quantidade, qualidade ou movimentação”, explica Modesto.
De acordo com o urologista, o diagnóstico da infertilidade masculina é mais fácil. “Fazemos um exame de sangue, para ver o perfil hormonal, um ultrassom com doppler e coletamos duas amostras de espermograma, para avaliar o esperma daquele homem. Uma vez descartada qualquer alteração masculina, a mulher deve ser investigada”, orienta.
Se for confirmada a varicocele, o método mais indicado para a reversão é uma cirurgia chamada varicocelectomia. De preferência, a microcirúrgica com magnificação, menos invasiva e que terá melhores resultados. Se o quadro não conseguir ser revertido, a saída é a adoção ou fertilização in vitro.
O Ministério da Saúde foi procurado, mas não pôde responder até o fechamento da matéria. A Secretaria Estadual da Saúde da Bahia (Sesab) disse que, pelos dados serem ambulatoriais, era para serem fornecidos com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). A SMS não enviou dados até a publicação. A Associação de Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (Asheb) não tinha informações sobre o tema.
Sintomas da endometriose
-Dores na região pélvica ou abdominal, principalmente se aparecer em ciclos, como no período pré-menstrual, pós-menstrual ou na ovulação
-Dificuldade de engravidar
-Cólica
-Dor na relação, quando há penetração profunda
-Dor na evacuação ou alterações no funcionamento do intestino
-Dificuldade ou dores ao urinar
-Fadiga crônica, energia exaurida