
Desde o anúncio da aposentadoria de Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) – oficializada no dia 9 de outubro – a cobrança para que a vaga seja ocupada por uma mulher voltou a aparecer entre manifestações públicas.
O próprio ministro acenou para a possibilidade quando foi questionado sobre o perfil do eventual sucessor. Barroso evitou citar nomes, mas enfatizou que há “muitas mulheres e muitos homens” aptos para o cargo, alegando ser um defensor da presença feminina nos tribunais.
Apesar do apoio expressado por Barroso, o STF só teve três mulheres ao longo de toda existência, que já completa 134 anos. A escassa participação das mulheres na Justiça do Brasil acontece em todas as instâncias da Corte e não representa um problema particular, mas uma extensão das opressões testemunhadas em outras esferas públicas.
Segundo a advogada especialista em direito de família e sucessões Vanessa Paiva, mesmo quando as magistradas conseguem ocupar cargos numericamente, ainda enfrentam resistências “veladas” – como estereótipos de que mulheres “não têm o mesmo perfil de liderança” ou “não aguentam pressão” como os homens.
“Isso pesa nas promoções, nas indicações e até no jeito como o trabalho delas é avaliado”, alerta Paiva.
Única mulher a integrar o Supremo atualmente, Cármen Lúcia já expressou insatisfação pela constante reversão de conquistas femininas no Judiciário. No último mês de agosto, a ministra alegou que a má vontade com a presença de mulheres nos tribunais era “óbvia”.
A manifestação foi feita durante o julgamento no qual o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revogou a formação de uma lista tríplice composta por mulheres para a vaga da advocacia no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia comentou que tomou conhecimento de que alguns tribunais estariam aguardando o fim de sua gestão à frente do TSE (previsto para o próximo ano) para revogar a norma da Corte sobre alternância de gênero nas indicações.

Ministra Cármen Lúcia, do STF, durante sessão da Corte
Homens decidindo sobre mulheres
A advogada especialista em violência de gênero e direito de família Laura Cardoso exemplifica a gravidade das desigualdades no meio jurídico: em 2023, ela teve o carro incendiado na frente de casa devido ao trabalho como promotora de mulheres. Em entrevista à IstoÉ, Laura contou que o atentado foi realizado pelo ex-companheiro de uma cliente, insatisfeito com o rumo do processo.
“Quando somos advogadas mulheres que atuam para outras mulheres, já enfrentamos esse risco. No segundo momento, a gente ainda percebe a utilização do sistema de Justiça como arma de guerra para coibir, ameaçar, deslegitimar e desqualificar tanto elas [clientes] como nós [advogadas]”, diz.
Segundo a especialista, as disparidades de gênero deveriam ser tratadas como um problema estrutural, não uma questão ideológica. Por ser um dos Três Poderes, o Judiciário assume importância inegável na construção de efeitos sociais e carece de participação feminina para garantir qualidade nas decisões judiciais e credibilizar o caráter representativo do sistema de Justiça.
O sistema judicial está estruturalmente preparado para acolher pautas que favorecem homens. Para a advogada Vanessa Paiva, ter mulheres em cargos jurídicos pode mudar o olhar sobre as decisões. Ela indica que “obviamente há um sistema engessado e machista” e que muitas vezes “as decisões são modificadas por homens”.
“Diversidade traz equilíbrio, traz sensibilidade e faz o sistema de Justiça ser mais representativo. Quando há juízas e desembargadoras participando, temas ligados aos direitos das mulheres, maternidade, violência doméstica, discriminação no trabalho e até pensão passam a ser vistos de forma mais humana e menos burocrática”, completa.
Urgência de mudanças profundas
Mesmo que as mulheres representem mais da metade da população brasileira, encontra-se pouca presença feminina nos maiores tribunais do Brasil. Em função disso, Cortes como o TSE e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) possuem a resolução que determina alternância de gênero nas indicações afim de equiparar a proporção de gênero.

Gráficos mostram proporção de gênero nos tribunais do Brasil em outubro de 2025 – Crédito: Luma Venâncio/IstoÉ
Apesar de ser positiva e emplacar figuras femininas proeminentes, a medida é encarada pelas advogadas como insuficiente, sendo apenas o “começo pra quebrar o ciclo de exclusão”.
“Se não houver vontade política e mudança de cultura dentro das próprias instituições, o risco é virar só uma formalidade, colocar mulheres em cargos menos estratégicos só pra cumprir número”, pondera Paiva.
Para uma mudança efetiva, as especialistas citam a criação de políticas reais de incentivo – como formação, mentoria, critérios transparentes de promoção, apoio à maternidade e punição pra práticas discriminatórias.
12/10/25 – 07h00minEmBrasil
Atualizado em12/10/25 – 07h06min