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Lei do Racismo completa 34 anos com vítimas exigindo Justiça

Em maio deste ano, a Justiça baiana proferiu a maior condenação pelo crime de racismo da história do Brasil. Emilson Gusmão Piau Santana, ex-diretor do Inema, pegou uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão em regime semiaberto, além de multa, por dizer a quatro servidores públicos (todos negros) que aquela unidade ‘não era para negros e sim para brancos’. Além disso, o gestor ainda completou falando que “na Europa o Meio Ambiente é comandado por brancos; lá tudo é feito de concreto com avenidas e prédios, sem árvores, sem verde”.

Embora um marco na luta contra a descriminação de negros no país, a decisão da 15ª Vara Criminal de Salvador ainda é um fato singular e raro de acontecer no país e em terras baianas. O Portal A TARDE conversou com especialistas e levantou dados para entender o porquê é tão difícil aplicar uma lei que está em vigor há mais de 30 anos (LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989)?

Apesar de não existir dados específicos do número de pessoas que já foram condenadas ou sofreram penalidades alternativas por alguma atitude racista, ou ato de injúria racial, é sabido que este número ainda é quase inexistente perante ao volume de casos.

Casos

Seja em uma loja de conveniência, dentro de um avião, ou até no meio esportivo, ninguém está imune a sofrer ou presenciar casos de racismo, ou injúria. Com o advento das redes sociais e exposições excessivas, os casos logo ganham notoriedade, mas isso não é sinônimo de ‘punibilidade’. A exemplo do goleiro Rodolfo, do Doce Mel.

Rodolfo virou alvo de injúria racial dita por um torcedor do Vitória|  Foto: Reprodução TVE

Em janeiro deste ano, durante uma partida do campeonato baiano, o atleta virou alvo de injúria racial dita por um torcedor do Vitória. “Seu macaco v***”, dizia o agressor. Porém, como vários outros casos, ‘não deu em nada’. As câmeras até flagraram a ação, mas não conseguiram identificar o torcedor, segundo o goleiro, que ainda revelou não ter sido a primeira vez.

O atleta relatou que no ano anterior, em 2022, ele foi alvo de insultos semelhantes enquanto jogava no estado de Pernambuco. Os episódios aconteceram em um intervalo de menos de 15 dias, segundo ele.

O ex-goleiro do Doce Mel revelou que no dia não registrou Boletim de Ocorrência, assim como das outras vezes, por acreditar que ‘não dá em nada’. “Eu nunca procurei porque é muito claro que a sociedade brasilera, seja a juridica, governamental, política, social, ela não está preocupada com isso. Ela faz um clamor, ela faz matéria, ela levanta o tema, mas não está preocupada. Isso para sociedade é irrelevante”.

Estrutura ‘branca’

A descredibilidade de uma punição contra o agressor e a estrutura jurídica são alguns dos motivos também apontados pela defensora pública estadual e coordenadora do Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA, Vanessa Nunes Lopes.

“Essa dificuldade da punição, a gente precisa entender duas coisas. A primeira é que esses processos são julgados majoritariamente por pessoas brancas num sistema de justiça que é majoritariamente branco. E que só muito recentemente começou a ter iniciativas de autocrítico, ou seja, de rever o próprio racismo. Que é um movimento que hoje a gente tem. Acontece a que ainda é muito incipiente. Se a gente tem um grupo de pessoas majoritariamente brancos, que convive, que naturaliza, que no seu dia a dia reproduz também situações de racismo, naturalizando essas situações, naturalmente, quando ele vai fazer esse julgamento, ele vai levar para o julgamento esse inconsciente racista que ele também tem. Então, a tendência é que ele se identifique com o agressor”, disse a advogada.

Demora no processo

Apesar de ser um avanço jurídico e na luta contra o racismo, a condenação de Piau é um exemplo da demora no processo. Do ato (em 2015) até a conclusão do processo (2023) foram cerca de oito anos de espera até uma desfecho.

“Muitas vezes a vítima está lá convivendo com aquele ato, com aquele trauma e a demora no processo muitas vezes faz com que ela desista de seguir. Aqui já pegamos casos que demoraram dois a quatro anos até que a primeira pessoa fosse ouvida. Esse processo desmotiva que a vítima continue, que acaba desistindo”, explicou.

Este foi o caso de designer de cílios Andressa Fonseca, de 27 anos, que foi vítima de injúria racial enquanto estava em uma loja de conveniência de a Avenida São Rafael, em Salvador. Na ocasião, uma mulher vestindo um casaco de estampa militar, aparece disparando diversos insultos racistas. “Eu não gosto de gente escura que nem você. Eu não suporto”. O caso aconteceu em maio deste ano, no entanto, segundo a Polícia Civil, “o caso foi registrado na Delegacia Virtual e o procedimento encaminhado para investigação na 10ª Delegacia Territorial (DT) de Pau da Lima, porém a comunicante não compareceu na unidade para prestar depoimento e dá seguimento à apuração”.

O Portal A TARDE procurou a vítima para falar do assunto, mas ela preferiu não se manifestar.

O promotor ainda salienta a dificuldade do polícia em identificar os casos de injúria racial como tal, o que muitas vezes ocasione que o agressor responda o processo em liberdade após pagar fiança, mesmo o racismo e a injúria racial (que agora são equiparadas) seja considerado um crime inafiançável e imprescritível.

“Muitas vezes há uma falha do delegado ou do agente que está registrado o B.O. Muitas vezes ele coloca como ‘simples’ injúria, o que cabe fiança, e não como injúria racial. Há uma dificuldade ainda para identificar o crime”, disse Vivas.

No entanto, na busca por solucionar este problema, Vivas salientou que existe um projeto avançado de reunir as polícias Civil e militar, além do Ministério Públicos e outros órgãos para uma ação integrada para agir no seguimento, uma vez que nos dias atuais não existem unidades especializadas para tais praticas. O projeto ainda não tem data definida, mas a expectativa é que seja lançado até o início de 2024.

Em janeiro deste ano o crime de injúria relacionada a raça, cor, etnia ou procedência nacional, passou de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos de reclusão. A lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se alinhou com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em outubro do ano passado, equiparou a injúria racial ao racismo e, por isso, tornou a injúria, assim como o racismo, um crime inafiançável e imprescritível.

“A gente consolida que a injúria racial também não prescreve e não tem fiança. Outra mudança com essa lei nova é em relação à pena. Agora a pena para injúria racial é maior do que para o racismo ‘genérico’ que é de de 1 a 3 anos. Na prática, qual a diferença? Quando a gente prática uma ofensa destinada a uma pessoa específica usando um motivo relacionado ao fenótipo, como pele, tipo de cabelo, ou mesmo aspectos culturais, isso se caracteriza a injúria. Já o racismo, eles são feitos por atividades de segregação ‘genérica’. Exemplo; quando a pessoa recusa contratar a outras pessoas negras, não é uma ofensa a individuo, mas sim a toda comunidade negra”, salienta Vanessa Nunes.

DPE

“O nosso papel aqui é fazer com que as pessoas entendam que elas têm direito também à indenização, que é ainda uma demanda reprimida na nossa leitura, é uma demanda pouco buscada. Quando acontece um racismo, em geral a pessoa que vivência a situação de racismo quer ver. A repercussão criminal, ou seja, ela quer que a pessoa seja punida penalmente, seja presa, mas ela muitas vezes deixa de usar um recurso jurídico, que é importante também, tanto para a reparação quanto no sentido pedagógico, porque a pessoa que agride, que praticou racismo, ela precisa também ter um prejuízo financeiro”.

 

 

 

 

 

Atarde, 20/11/2023

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